terça-feira, 16 de novembro de 2010

A batalha por Cidadão Kane

Orson Welles desde muito pequeno era notado, todos diziam a ele que era maravilhoso. Aos 6 anos ficou órfão de mãe, aos 12 seu tambem faleceu. Quando tinha vinte anos, apenas com a experiência teatral do colégio conseguiu dirigir cerca de 100 pessoas que no início apenas sabiam ler, Welles dizia que sabendo isso poderia aproveitá-las e o resultado foi surpreendente, Orson conseguiu tirar o que de melhor eles tinham, produziu uma adaptação de Shakespeare com atores negros, chamada "Vodoo Macbeth".
Na mesma época Welles ingressou na rádio CBS e NBC em NY, enquanto outros atores ensaiavam semanas Orson chegava minutos antes e fazia grandes alterações no script. Welles certa vez notou que as pessoas tendiam a ficar comovidas quando um noticiário interrompia a programação da rádio. Por esse motivo certa noite simulou a entrada de notícias de ultima hora, anunciava que extraterrestres tinham sido vistos no céu, mais tarde pousavam e faziam feridos. A cidade estava em choque, os companheiros de rádio pediam que ele acabasse com a mentira, mas ele quis ir até o final, o diretor da rádio chegou de pijama pra averiguar o que acontecia no estúdio.
A repercussão positiva disso foi que Orson ganhou carta branca da RKO pra fazer 2 filmes. O primeiro deles seria "Cidadão Kane" que partiu de uma rivalidade iniciada por Willian Randolph Hearst, magnata das comunicações, que falava o que quisesse de quem fosse. Sobre a guerra que não aconteceu com Cuba ele disse para um fotógrafo "Arranje as imagens e eu arranjo a guerra". Welles não fugiu das garras de Hearst que criticou severamente seus trabalhos teatrais, então ele trabalhou no roteiro que era uma espécie de biografia de Hearst com algumas pitadas da própria vida de Orson Welles.
Assim como Kane: Hearst era um rico que desde muito cedo era assíduo apreciador de arte em geral, usava roupas de dândi, era educado, pedia para seus jornalistas fazerem coisas como pular de uma ponte para saber quanto demorava pro atendimento chegar. Fazia jornal para as massas. Controlava a mídia e Hollywood.Chegando em Nova York ofereceu salário maior para os jornalistas do jornal mais prestigiado da cidade pra trabalharem com ele no "The Examiner". Contratava bandidos pra tirarem os outros jornais de circulação nas ruas. Interferiu no confronto com a Espanha e quis propor os termos de paz com o rei. Foi eleito 2 vezes para o congresso e pouco aparecia no trabalho, tinha orgulho das faltas, a ele interessava o poder. Teve uma famosa amante, Marion Davies, e continuava com a esposa Louella Parsons.
Qunado os EUA entraram em crise Hearst vendia alguns dos seus bens que não eram poucos, tinha espalhados dezenas de depósitos com obras encaixotadas, a estimativa é que ele possuísse 25% de todos os objetos de arte produzidos. E Hearst assim como Kane, ou vice-versa, possuía a tal mansão que era praticamente um mundo particular, chamava de "o rancho". A solução para seu jornal foi abordar a vida do cinema, suas fofocas, inventou a exposição da vida dos atores para o grande público.
Welles partiu da figura desse excêntrico magnata que não media esforços pra fazer notícia e assim criar Charles Forster Kane, uma versão até mais coerente que Hearst.
Após a feitura do filme Hearst moveu mundos e fundos pra que "Cidadão Kane" não fosse distribuído, ameaçou a RKO, levantou a ficha de Welles e expos o romance dele com Dolores Del Rio. Após impasses o filme saiu, das 9 indicações ao Oscar levou apenas a de melhor roteiro.
Welles tornou-se tão famoso quanto Rooveselt, seu auge foi dos 25 anos até 2 ou 3 anos seguintes.
O filme foi o único vencedor entre a rivalidade que existia entre Welles e Hearst, pois estava em termos de composição cerca de 4 décadas na frente dos seus contemporâneos. Welles depois do auge passou a vida isolado como Kane. Hearst faleceu 10 anos após o lançamento do filme. Orson Welles disse que gastou 2% do tempo com cinema e 98% com politicagem, o cinema é uma arte cara. Sobreviveu fazendo comerciais, projetos pequenos e irritava-se com facilidade atuando nessa área.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Eta vida besta, meu Deus"

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

De Alguma poesia (1930) "Cidadezinha qualquer"

A qualquer dia, qualquer hora, podemos chegar a essa conclusão. Vejam vocês, a tantos dias tenho posto um poeta na cabeça e dele encomendei um livro, não conto o nome, ontem poderia ter chegado, mas não estava na caixa do correio, na verdade creio que nem caberia, mas eles tinham que fazer caber.

As provas vem a galope e eu finalmente inclinei-me aos estudos, fiz um grande empréstimo na biblioteca e abarrotada de livros na bolsa e descida do ônibus dirigi-me pra locadora garantir o respiro do feriado. Saí de mãos dadas com Welles, Kubrick, Eastwood e Allen. Como era parte do caminho lembrei das pilhas, as do controle remoto do dvd, não sei porque fazer um aparelho que não serve pra absolutamente nada, a não ser compor a paisagem, sem o controle. Ele tinha pilhas. Desaconselhou o uso de pilhas de marcas conhecidas. Quis ver o tal do controle remoto. Continuei indo pra casa, nem percebi o tamanho da minha passada preguiça, procrastinei semanas pra andar um quarteirão para saber o diagnóstico da coisa.

Na caixa do correio comunitária procurava contas atrasadas, uma janela é fechada rente ao meu ouvido, não vizinha não enxergo com a orelha, não me interesso pela sua vidinha, não se dê tanta importância. Um papel incomum está dobrado, é dos correios, meu nome, entrega não efetuada do dia anterior. Outro papel mais ao fundo, tambem dos correios, entrega de hoje, dez minutos atrás, voltarão no proximo dia util, tarde demais, preciso dele pra fazer um trabalho urgentíssimo! Pensei em correr pelos quarteirões, seria inutil. Já em casa ligo em vão pro numero do papel. Arrumo meu almoço colorido e ponho no copo o suco de uva com gosto de babaloo sabor uva, não deveria ser ao contrário?

Arrumo uma bolsa com carteira, celular (kit básico) e o controle remoto, a chave mestra do dvd, de saída a janela da birrenta da vizinha tornou a se abrir. Virando à esquerda uma kombi amarela (na minha opiniao a combinação ideal pra ser notada) do SEDEX está parada em frente a uma casa, que tem o quintal cinquenta centímetros sobre a calçada, além de uma rampinha sinuosa que leva à porta. A carteira carrega uma caixa quadrada e toca a campainha sem sucesso, varias idéias chegam até as amígdalas e se amontoam esperando serem escolhidas e expulsas à luz.

Perguntei se ela passara na minha rua algumas horas antes, ela disse você é a Lilian? Sou. Você tem um documento aí? Tenho. Bom, só tinha cartões, ela aceitou, disse que já aconteceu de se passarem pelo destinatário, é um absurdo, por isso possível. As pessoas gostam de contrariar. O pacote de papelão que delineava levemente o livro estava em minhas mãos, queria voltar pra casa rasgá-lo e ler, ler e ler. Mas como tinha filmes pra ver tambem, continuei e alguns passos a frente me fizeram chocar com este verso do Drummond "Eta vida besta", o "meu Deus" não veio no pensamento original. A moça dentro da kombi dobrou a rua e disse tchau Lilian, sorrindo.

Entreguei o controle pro moço, ainda estou sem ele, o caso deve ser grave. Então voltando pra casa, peguei a tesoura e olhei pro invólucro e fiz do momento um ritual, entre meu desejo e a coisa desejada, a tesoura inocente na história fez o que lhe competia, cortou sem cerimônia. Ali o livro, depois nas mãos, começei pela orelha, depois a outra orelha e então passei a mão nos cabelos, por mechas, depois me atentei pra alguns fios especificamente e ainda diria que talvez faça tranças.