sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Eta vida besta, meu Deus"

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

De Alguma poesia (1930) "Cidadezinha qualquer"

A qualquer dia, qualquer hora, podemos chegar a essa conclusão. Vejam vocês, a tantos dias tenho posto um poeta na cabeça e dele encomendei um livro, não conto o nome, ontem poderia ter chegado, mas não estava na caixa do correio, na verdade creio que nem caberia, mas eles tinham que fazer caber.

As provas vem a galope e eu finalmente inclinei-me aos estudos, fiz um grande empréstimo na biblioteca e abarrotada de livros na bolsa e descida do ônibus dirigi-me pra locadora garantir o respiro do feriado. Saí de mãos dadas com Welles, Kubrick, Eastwood e Allen. Como era parte do caminho lembrei das pilhas, as do controle remoto do dvd, não sei porque fazer um aparelho que não serve pra absolutamente nada, a não ser compor a paisagem, sem o controle. Ele tinha pilhas. Desaconselhou o uso de pilhas de marcas conhecidas. Quis ver o tal do controle remoto. Continuei indo pra casa, nem percebi o tamanho da minha passada preguiça, procrastinei semanas pra andar um quarteirão para saber o diagnóstico da coisa.

Na caixa do correio comunitária procurava contas atrasadas, uma janela é fechada rente ao meu ouvido, não vizinha não enxergo com a orelha, não me interesso pela sua vidinha, não se dê tanta importância. Um papel incomum está dobrado, é dos correios, meu nome, entrega não efetuada do dia anterior. Outro papel mais ao fundo, tambem dos correios, entrega de hoje, dez minutos atrás, voltarão no proximo dia util, tarde demais, preciso dele pra fazer um trabalho urgentíssimo! Pensei em correr pelos quarteirões, seria inutil. Já em casa ligo em vão pro numero do papel. Arrumo meu almoço colorido e ponho no copo o suco de uva com gosto de babaloo sabor uva, não deveria ser ao contrário?

Arrumo uma bolsa com carteira, celular (kit básico) e o controle remoto, a chave mestra do dvd, de saída a janela da birrenta da vizinha tornou a se abrir. Virando à esquerda uma kombi amarela (na minha opiniao a combinação ideal pra ser notada) do SEDEX está parada em frente a uma casa, que tem o quintal cinquenta centímetros sobre a calçada, além de uma rampinha sinuosa que leva à porta. A carteira carrega uma caixa quadrada e toca a campainha sem sucesso, varias idéias chegam até as amígdalas e se amontoam esperando serem escolhidas e expulsas à luz.

Perguntei se ela passara na minha rua algumas horas antes, ela disse você é a Lilian? Sou. Você tem um documento aí? Tenho. Bom, só tinha cartões, ela aceitou, disse que já aconteceu de se passarem pelo destinatário, é um absurdo, por isso possível. As pessoas gostam de contrariar. O pacote de papelão que delineava levemente o livro estava em minhas mãos, queria voltar pra casa rasgá-lo e ler, ler e ler. Mas como tinha filmes pra ver tambem, continuei e alguns passos a frente me fizeram chocar com este verso do Drummond "Eta vida besta", o "meu Deus" não veio no pensamento original. A moça dentro da kombi dobrou a rua e disse tchau Lilian, sorrindo.

Entreguei o controle pro moço, ainda estou sem ele, o caso deve ser grave. Então voltando pra casa, peguei a tesoura e olhei pro invólucro e fiz do momento um ritual, entre meu desejo e a coisa desejada, a tesoura inocente na história fez o que lhe competia, cortou sem cerimônia. Ali o livro, depois nas mãos, começei pela orelha, depois a outra orelha e então passei a mão nos cabelos, por mechas, depois me atentei pra alguns fios especificamente e ainda diria que talvez faça tranças.



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